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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Como aguentar a conversa falsa e simpática dos atendentes


Certo dia em 1995, quando o telefone fixo e o selo postal davam seus últimos suspiros, fiz uma ligação para a ajuda à lista telefônica. Naquela época, quando você não sabia o número de um telefone, discava 192 e um ser humano atendia e lhe passava o número desejado. Naquele dia em particular, a mulher que atendeu respondeu da seguinte maneira: "Lista telefônica, Michelle falando".

Perplexa, perguntei por que ela havia dito seu nome. Ela disse que era uma nova política para tornar o serviço mais pessoal. Que vulgaridade, pensei. Que camaradagem gratuita!

Virei-me e escrevi uma coluna protestando que não queria um atendimento pessoal. Eu queria apenas um número de telefone.

Depois de quase duas décadas perdendo tempo com a camaradagem gratuita, não me importo mais. Outro dia comprei um vestido cinza pelo eBay. Quando ele chegou (um pouco grande e desalinhado, mas esse é o perigo com o eBay), um cartão caiu dele.

"Esperamos que você tenha horas de folga relaxantes com o novo vestido que acaba de comprar", dizia ele. "Tenha uma semana maravilhosa e esperamos atender você novamente num futuro próximo. Simon e Laurie", concluía.

Pensei com meus botões que as coisas estão muito erradas quando Simon e Laurie, duas pessoas que eu não conheço, são mais solícitos em relação à minha felicidade e bem-estar do que a minha própria família.

Dois dias depois eu estava na internet tentando cancelar minha assinatura da Sky Go e me vi em um "Live Chat" em que você digita as palavras em um balão. "Olá Lucy. Como você está hoje?;)", digitou um tal de Ajay. "Bem", digitei de volta. "Legal!;) Tenho certeza de que poderei ajudar."

Após uma profusão de emoticons e declarações de disposição em ajudar, vi que ele não podia ajudar. "Espero ter sido útil;) Se cuida!", assinou.

Esse intercâmbio foi relativamente frio comparado a um live chat postado no Reddit de um usuário do Xbox com uma funcionária chamada Kelly, que a certa altura digitou: "Você é uma pessoa muito compreensiva. Gostaria de lhe dar uma xícara de café, ou um Mountain Dew [refrigerante] gelado por isso!" Sem dúvida Kelly pensou - assim como Michelle - que estava apenas tornando o atendimento mais personalizado. Mas na verdade foi quase sinistro.

Vinte anos atrás, a falta de sinceridade do "tenha um bom dia" costumava irritar. Mas hoje até mesmo o "tenha um bom dia" soa indiferente, uma vez que o esperado é que se tenha "um dia maravilhoso". Do mesmo jeito, o "não tem problema" (sempre irritante, pois quase sempre há um problema) se transformou em "não há problema nenhum", ou NPW [do inglês 'no problem whatsoever'] - para evitar o trabalho de ter que digitar três palavras inteiras.

Há uma regra sobre a camaradagem corporativa que as companhias parecem obedecer. A menos que solicitada por um cliente igualmente camarada, ela é uma má ideia.

Particularmente ruim, uma vez que até mesmo o cliente mais imbecil pode perceber quando ela é sincera e quando não é. O pior tipo é quando a pessoa não consegue resolver seu problema ou quando liga sem solicitação. Eu deleto sem ler todos os e-mails de assessorias de imprensa que começam com "espero que este e-mail o encontre bem."

A camaradagem só é aceitável quando é natural e não descaradamente interesseira. Os bons votos de Simon e Laurie foram exagerados no tom de amizade, mas de tão amadorísticos soaram doces.

Para corporações enormes e sem rosto, dar o toque pessoal do jeito certo é mais difícil. A J Sainsbury vem tentando ensinar quem conduz suas redes sociais a ser amigável na medida certa. Em certa ocasião, uma mulher tuitou de um estacionamento do supermercado, dizendo que estava presa no local com um bebê dormindo e ansiava por um café. A equipe de redes sociais conseguiu rastreá-la e enviou o café. Outra história fofa.

Mas há um pequeno porém. Se todos nós pedíssemos café no estacionamento, não o teríamos. O princípio básico de uma empresa não é fazer amizade pelo Twitter dando presentinhos às pessoas. É vender coisas que as pessoas querem comprar.

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times".

 

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