O desenvolvimento profissional e a
inovação precisam de espaço na agenda
Esta é uma provocação sobre a
agenda dos executivos, mas provavelmente você vai se identificar com tudo que
falo abaixo.
Vivemos uma época em que todos
falam de inovação e criatividade dentro das empresas. Para isso é fácil
constatar que precisamos trabalhar diferente, a começar pela agenda dos
executivos. Em um evento recente de mercado do qual eu participei, o papo
durante um café com vários executivos foi a velha discussão da agenda lotada de
todos. Todos, sem exceção, reclamando da falta de tempo, da agenda extenuante e
da tungada na vida pessoal por conta da loucura da vida profissional. Por outro
lado, todos falando também da necessidade de inovar e fazer coisas diferentes.
Posso ser simplista aqui, mas tudo
começa pela agenda de cada um de nós. Tipicamente, negligenciamos o poder que
temos de montar conscientemente a agenda diária de trabalho que precisamos. O
segredo do sucesso ou do fracasso começa nela. A sua capacidade de se
desenvolver, inovar e pensar diferente precisa de espaço na agenda.
A maioria dos executivos tem
dificuldade em lidar com agendas vazias. A rotina dessa turma inclui muitas
horas montando relatórios, apagando incêndios, respondendo e-mails, muitas
vezes irrelevantes, participando de reuniões intermináveis, ou seja, é um
festival de tempo perdido.
Aceitemos ou não, mas a cultura corporativa das empresas, em geral, está
impregnada de amor pela hierarquia e de excesso de controles. A culpa disso
tudo é dos executivos.
O que vou falar a seguir vale para
todos os perfis de empresas, de qualquer segmento, de qualquer tamanho. Conheço
executivos que delegam a sua agenda totalmente para a secretária, que vivem com
a sensação de estarem sendo improdutivos quando a agenda está vazia, que vivem
trancados em salas de reunião e não conseguem circular pela organização para
falar com as pessoas ou com seus clientes. São executivos que não fazem
reuniões com eles próprios… sozinhos! São líderes que não têm espaço na agenda
para pensar. Quando o espaço surge, quase que por encanto, eles são usados para
ver e-mails.
Uma grande parte desses líderes
afirma que a vida de executivo é assim mesmo: “agenda cheia e sem vida
pessoal”. São gestores que adoram controle e, por isso, a agenda fica cheia de
reuniões para controlar as coisas, para rever planilhas de projetos repletas de
células com responsáveis, datas, prazos e status. Essa é uma rotina
interminável, porque por trás de uma planilha, sempre tem outra planilha.
Mas qual é o caminho? A resposta
está em duas palavras: desapego e coragem!
Desapego! Palavrinha que não
aparece muito no dicionário corporativo. O segredo de uma agenda livre começa
pelo executivo ter desapego por saber de tudo que está acontecendo em sua
organização, desapego por planilhas, que muitas vezes nem entendemos direito,
desapego por apresentações em powerpoint longas e complexas… enfim, desapego
por tudo que esteja relacionado com controle excessivo. O controle é
diretamente proporcional à falta de confiança nos subordinados e à tradicional dificuldade de delegar.
Outras vezes é o velho cacoete do chefe querer por a mão na massa por achar que
faz melhor que o seu time. Tudo isso tem por trás a obsessão de saber tudo que
rola… nos mínimos detalhes.
A coragem caminha junto com o
desapego. Estou falando da coragem de dizer “não sei” para o chefe quando ele
pergunta sobre alguma coisa que está acontecendo na sua área e você diz “não
sei” com naturalidade e segurança, sem dor na consciência, com a simplicidade
de um monge indiano. Coragem para delegar o projeto mais importante da sua área
para o seu time e deixá-lo trabalhar sem encher o saco. Coragem para aceitar
fracassos e erros dos subordinados, pois isso faz parte do processo de evolução
da organização. De forma geral, as organizações lidam muito mal com os
fracassos. Todos abraçam a inovação e a criatividade, desde que não fracassem,
não é mesmo?
Muitas vezes a sua agenda reflete
a agenda do seu chefe. Se você tem um chefe inspirador, visionário, que gosta
de pensar diferente, provavelmente, a sua agenda segue esse curso. Mas se você
tem um chefe controlador, que adora saber tudo que você faz em detalhes
insuportáveis, certamente a sua agenda está carregada de revisões e preparações
de relatórios e apresentações sem fim. Onde está a sua coragem para não aceitar
integralmente o estilo imposto por seu chefe? Tenha personalidade, desenvolva
um relacionamento com o seu chefe e com o seu time em cima de critérios que
você avalia como o melhor para todos. Ajude a mudar o curso das coisas. Não
aceitar o curso do rio nem sempre é fácil e exige coragem.
Tudo isso, de alguma forma, gera
consequências na sua agenda de trabalho. Ela é o reflexo do somatório de todas
essas influências. O Santo Graal é uma agenda mais equilibrada, que permita
tempo para respirar, se reciclar, rever prioridades e obter melhor equilíbrio
com sua vida pessoal.
Aqui cabe um ponto fundamental.
Uma agenda cheia não é sinônimo do capeta e não necessariamente significa
inibição da criatividade e da inovação, o importante é que ela tenha espaços
fartos e longos para você pensar diferente. O segredo não é você descobrir e
ocupar os buracos na sua agenda… mas sim criar buracos. Crie espaços para
conversar com pessoas que você não conversa normalmente, para ler publicações e
artigos sobre coisas totalmente fora da sua área de atuação, que você nunca
leria a pedido de seu chefe ou por iniciativa própria. Crie espaços para
aprender coisas novas ou desaprender as coisas que você sabe. Espaço na agenda
significa espaço para as ideias surgirem e descobrir novas possibilidades.
Em resumo, agenda mais vazia
significa você navegar nas coisas com um nível de conhecimento mais baixo e com
menor controle, com desapego e com a segurança de que está fazendo a coisa
certa. Agenda vazia significa delegar mais e confiar no time, representa espaço
disponível para inovar e pensar. Esses são os desafios, sacou?
Convivo com esses desafios o tempo
todo. Propositadamente, eu tomo a iniciativa de bloquear partes da minha agenda
diária para funcionarem como uma espécie de respiro, que às vezes são usadas
para atacar as urgências, me renovar mentalmente ou fazer coisas completamente
fora do radar. Eu decido na hora. Eu gosto de ler e pensar com fone de ouvido
na cabeça ouvindo música clássica, conversar com pessoas que não conheço e
entrar em coisas que eu não deveria estar. Isso me expõe a situações
completamente diferentes e me desenvolve. Parece um pouco irresponsável, até
caótico, talvez seja mesmo.
Por algum motivo que não sei
explicar bem, nós vivemos numa época em que os gerentes não reconhecem a
atividade de “refletir e pensar” como parte essencial de seu trabalho e
responsabilidade. Existe um foco obsessivo na execução, especialmente nas
grandes organizações. Quem afirma isso é o excelente artigo do MIT chamado “The Lost Art of Thinking in Large Organizations”,
que apresenta uma ótima reflexão a respeito desse fenômeno. A arte de pensar
exige uma boa dose de incerteza e ambiguidade, características que os
executivos e organizações rejeitam, especialmente porque o mundo dos negócios
celebra os líderes vencedores, que têm respostas assertivas e que se comportam
como “senhores de si”. Expressões como “não sei” e “talvez” têm pouco
espaço nas salas de decisão das empresas.
Infelizmente, os novos executivos
aprendem com os velhos executivos. A nova turma executiva que vem por aí tende
a repetir as coisas e o comportamento dos mais antigos e experientes. Assim se
forjam os novos líderes. Já ouvi executivos de várias empresas diferentes,
grandes e pequenas, falando para mim que ter a agenda muito livre pega mal. O
que os outros vão pensar de mim? É preciso estar atarefado e com a agenda
cheia, mostrando que a organização é demandante e que somos uma peça
fundamental na engrenagem organizacional. Enfim, se o executivo não segue
esse padrão, ele pode ser considerado como alguém fora do grupo.
Inconscientemente ou não, ele age como os outros. Repetimos padrões sem
entender muito bem o motivo e sem sentir, mas no fundo não queremos nos sentir
diferentes ou excluídos.
Essa tendência de repetir
comportamentos me lembra um experimento que bombou nas redes sociais chamado “Conformidade Social“.
O experimento ocorre numa sala de espera e uma mulher repete os movimentos sem
sentido que o grupo executa. O ambiente e o contexto provocam uma pressão do
grupo sobre ela, que tende a agir em conformidade com as expectativas esperadas
de quem está na sala. Vale muito a pena ver esse pequeno vídeo de menos de 4
minutos. Substitua esse cenário por outros grupos e você verá que o esse tipo
de comportamento é muito mais comum do que imaginamos.
Não
leve toda essa minha longa reflexão tão a sério. Obviamente que o mundo vive
hoje uma explosão de executivos inovadores e empreendedores, com muitas
empresas inovando radicalmente e muitos modelos de negócios sendo repensados.
Existe muita gente boa no comando das empresas e desafiando o status quo. Eu
mesmo trabalho numa empresa super inovadora, que se reinventa constantemente e
que investe uma fortuna em inovação anualmente. Essas coisas não acontecem por
acaso, acontecem por conta de líderes que quebram as regras e se jogam em
abismos sem ter certeza de onde eles terminam. O desafio é a multiplicação
desses gremlins executivos dentro das organizações, de forma que modelos tradicionais
de trabalho e de hierarquia sejam repensados diante da sociedade em que vivemos
hoje.
A transformação da liderança das
empresas, incluindo desde o primeiro escalão até o escalão mais perto do chão
de fábrica, não acontecerá somente por uma mudança de postura ou comportamento,
não basta somente vontade de mudar, mas carrega elementos de transformação
cultural, de regras e leis da sociedade nos âmbitos social e econômico. Enfim,
a agenda é apenas um pequeno elemento em toda essa onda. Mas quer saber? De
tudo isso que falei, a sua agenda é a única coisa que está sob seu total
controle. Portanto, se não dá para fazer todas as mudanças, que tal começar
repensando a sua agenda de amanhã?
Fonte: Digital Network
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