Em um dia de
"aventura" por uma capital do nordeste brasileiro foi possível
testemunhar que pedir, negociar e persuadir têm mais coisas em comum do que se
pode imaginar. E o resultado dessa empreitada foi a criação dos "5
fundamentais segredos da arte da mendicância"
"Bendita
hora que aceitei fazer esta reportagem! Eu poderia estar matando, roubando, mas
tinha que aceitar fazer esta matéria?!", reneguei assim mais de 10 vezes
esta revista, ultrapassando em número até Pedro, o Santo Pedro, que fez o mesmo
com seu amado mestre Jesus três vezes, mas que, concordemos, em grau de importância,
fez bem mais feio do que eu. Que ideia a do meu editor, hein? Sentir na pele
como funciona o ato da persuasão com as pessoas que trabalham com isso todos os
dias por completa necessidade: os pedintes.
Devo confessar que vestir-me como um mendicante até que foi fácil, até mesmo
porque minha vó vive repetindo: "Pra onde vais, menino? Vestindo assim
pareces um mendigo!" Mas esmolar por comida e esbarrar na indiferença de
vidros e olhos fechados foi muito difícil. Como dirá, em sua autobiografia, um
mendigo desses que mudam de vida todos os dias: é a indiferença, a prova cabal
de que o homem descende do animal.
Todavia,
aprendi bastante com essa magnífica experiência de vida. Os pedintes têm muito
a nos ensinar, de forma que todos precisam aprender, inclusive os
administradores, que no seu trabalho precisam convencer várias pessoas, em
diferentes situações, dos seus pontos de vista. Pedir é uma arte assim como
negociar, só que mais arriscada, pois na maioria das vezes o que está em jogo é
a sua vida.
E
foi a partir desta incrível descoberta que achei de grandessíssima relevância
sussurrar nos ouvidos do leitor os 5 fundamentais segredos da arte da
mendicância. Quer ser um grande mendigo, digo, um grande negociador? Continue
lendo o texto.
1 –
Vença pelo cansaço
6h
da manhã quando o "despertador" toca. Há mais de um ano que não
acordo por essas horas. Levanto irritado, solto uns palavrões, lavo o rosto,
tomo banho, a cara de "morto de sono" desce pelo ralo. É quando
começa a nascer o mais novo pedinte de João Pessoa, na Paraíba: cabelos
despenteados e barba por fazer, camisa esburacada de um candidato a vereador
derrotado nas eleições passadas, bermuda azul desbotadíssima, quase branca, e
um par de havaianas marrom, porque essas "todo mundo usa". E saio assim
de casa, sem ter tomado o café da manhã e só com o dinheiro do
"busão" (ida e volta). Ao pisar na calçada, não pude não reclamar do
calor que fazia já cedo da manhã.
Mas
querido leitor, preste atenção, não faça como eu faço, faça como eu digo, e não
xingue o lindo sol de dezembro de João Pessoa. Fique feliz porque essa hora é
perfeita para pedir. Pois, como apuraram os autores do livro 50 segredos da
ciência da persuasão, no qual parte das minhas fundamentais dicas estão
baseadas, o ser humano comum fica mais propenso a aceitar tudo que lhe dizem
quando está cansado. Então, queridos aprendizes, cheguem lá na frente daquele
ônibus lotado, começo da manhã, meio-dia ou fim de tarde, e façam como eu fiz,
com cara de fome (mesmo que sejam como eu: moreno, alto, forte e de olhos
verdes) repitam:
-
Pessoal, um minuto da sua atenção, por favor. An-ham (uma tossida para ver se
você consegue aumentar sua plateia). Estou desempregado, em busca de emprego,
mas deixei uma mulher e cinco meninos pequenos em casa sem tomar café, com
fome, preciso alimentá-los, PELO AMOR DE DEUS, me ajudem, qualquer 10 centavos
ajuda.
Quem
mais estava cansado, mais ajudou. Matemática do pedinte: quanto mais bocejos,
mais centavos. Café da manhã garantido!
2 – Que
me perdoem os cheirosos, mas fedor é fundamental
Primeira
parada: terminal de integração de ônibus do Varadouro, o maior e mais
movimentado da cidade. Lá decidi usar duas estratégias. Como as pessoas se
sentem mais incomodadas com essa abordagem mais direta, escolhi começar com um
papo mais reto – Um trocado pra eu comer, pelo amor de Deus! – e depois chegar
com um mais elaborado, repetindo a história anterior do ônibus.
Com
um pedido mais simples arrecadei míseros R$ 1,50, a maioria das pessoas nem
olham para você. Com a súplica mais longa, faturei R$ 5,20, as poucas pessoas
que me escutaram me ajudaram, contrariando o que algumas pesquisas psicológicas
afirmam: "mensagens menores trazem mais resultado" uma ova!
Mas
uma coisa é certa, mensagens menores não trazem duas senhoras me olhando feio e
me desmascarando: "Saia daqui, você é muito cheiroso para um
mendigo". Por isso, crianças, não escutem seus pais. Para ser um grande
mendigo é preciso ser igual ao Cascão.
Conversei
com dois mendicantes do local, um velho emburrado que pedia como se negasse, e
um cadeirante sorridente de bêbado. E adivinhem só, os dois fediam, e, pelo que
vi, estavam se dando bem.
3 – Mais
instinto, menos estudos
Com
fome, tomei um café e comi um misto pelo desjejum tardio, menos R$ 3,00. Como
já estava chegando próximo das 11h, fui pro sinal mais próximo e comecei os
trabalhos. Conforme me ensinaram uns formandos do 2º grau do Colégio Estadual
Lyceu Paraibano eu fiz cara de miséria e o discurso na ponta da língua. Depois
de uma hora naquele inferno sem sombra, foi como diz uma música por aí:
"Tentativas em vão, para poder comer um pão". R$ 2,00 apenas, o
suficiente para almoçar, mas pouco dinheiro para muito trabalho. Por que pensa
o quê? Sol de meio-dia em João Pessoa só perde no mundo todo para o de Teresina,
no Piauí, e para o do deserto do Saara.
Então,
se você quer ser um pedinte profissional, faça diferente, siga o exemplo do
Francisco Rafael da Silva, vulgo "Mãozinha", 28 anos de idade. Ele
sim entende das coisas. E olhe que ele só tem o primeiro grau. Olho nele!
Porque lá vai ele, na base do instinto, com sorriso na cara, gingando feliz
entre os carros, olha lá, não falou nada e conseguiu uma nota de R$ 5, coisa
rara, hein? Além do mais, nos ensinou que "se sorrirmos para o mundo, ele
vai nos sorrir também". É bom frisar que se ele tivesse ao menos uma das
mãos eu apertaria efusivamente, mas ele, infelizmente, as perdeu num acidente
de trabalho.
4 –
Apele para a emoção
Almocei
um prato feito de respeito no centro da cidade. Custou caros R$ 5, mas valeu
todo o esforço para consegui-lo. E em seguida, mudei para a modalidade
"pedinte de rua". Debaixo de uma sombra, encostado na parede, inicie
com o velho e simples arroz com feijão: estética da fome no corpo e um pedido
com uma voz arrastada, quase agonizando antes de sair da boca: "Me ajude,
pelo amor de Deus". Resultado: 50 centavos de sucesso, isso depois de duas
horas em pé. Aí descontente com meu desempenho, resolvi melhorá-lo, e com uma
pequena substituição, lembrando que o Natal estava próximo, virei o jogo:
"É Natal, me ajude pelo amor do menino Jesus". Saldo: 1000% de
diferença.
Todos
os pedintes entrevistados me falaram que nessa data do ano o faturamento dobra,
eles ganham cesta básica, e um me confidenciou que, pela primeira vez na vida,
viu uma nota de R$ 100: "Foi amor à primeira vista, rapaz, só que, você
sabe, né, felicidade de pobre dura pouco". Enfim, Natal, época de nos
sentirmos culpados por não ajudarmos o próximo durante todo o restante do ano.
5 – Só
mendigue se você realmente precisar
Finalizei
a tarde nos sinais, e apurei mais R$ 10,00, num total de lucro no dia de R$
14,30. Como eu estava cansado e louco para comer a comida da minha mãe, chamei
o grande "Mãozinha" e lhe entreguei todo o dinheiro, pois ele precisa
de verdade, tem três filhos e uma mulher para sustentar. E você sabe, ele
poderia estar matando, roubando, mas está ali, apenas pedindo.
Os
principais tipos de mendigo, sua persuasão e seu faturamento
Portadores
de deficiência física - Pena e projeção: "o coitado não pode mesmo trabalhar,
já imaginou se fosse no lugar dele, fatalidades como essas acontecem com
qualquer um". Média de R$ 30,00 por dia.
Idosos - Enxergamos
nossos avós e nós mesmos futuramente naqueles pobres coitados. Se homens, média
de R$ 20,00 por dia e, se mulheres, média de R$ 28,00 por dia.
Músicos
e circenses -
Não os ajudamos, pagamos pelo grande show que mal escutamos graça ao barulhento
motor do ônibus e pela apresentação que mal vimos graça ao nosso vidro fumê.
Média de R$ 5,00 por busão e R$ 15,00 por dia.
Artesãos - Eles chegam:
"Essa linda e valiosa pulseira de arame é sua". E nós nos sentimos
obrigados a retribuir o "favor". Lei da reciprocidade, anotem! Média
de R$ 20,00 por dia.
Loucões - Eles falam
sozinhos ou com bonecas e não dizem nada com nada. Se nós não fugimos, damos
logo o dinheiro para aquela figura deprimente sair do alcance de nossas vistas.
Média de R$ 5,00 por dia.
Crianças - Todos temos
pena de crianças."Coitadas, não podem trabalhar, deviam estar estudando,
elas não têm culpa da vida que tem". Média de R$ 40,00 por dia.
Mães - Mães
acompanhadas por uma criança de colo é um Deus nos acuda! Talvez a imagem mais
triste das ruas. Emoção à flor de pele! Média de R$ 60,00 por dia.
Autor:
Ícaro Allande