Uma de minhas
primeiras consultorias foi em uma empresa de médio porte controlada por um
grande grupo empresarial. O diretor dessa empresa, uma pessoa bem esclarecida e
dedicada, tinha aquela postura de quem andou apanhando demais. Ombros
inclinados para baixo, olhos levemente caídos e uma insegurança na fala
incompatível com a posição que ocupava.
Logo descobri que
ali já tinham passado duas outras “grandes" consultorias, daquelas que
cobram seis dígitos por qualquer coisa. Cansados de gastar dinheiro, os
controladores da empresa resolveram arriscar e me contratar, jovem e solitário,
em uma atitude claramente desesperada para ver se algo dava certo.
Aprendi que as duas
consultorias deixaram um belo rastro para trás. Uma deixou belos documentos com
palavras como "SWOT" e “forças competitivas”. Outra, um modelo de
avaliação de pessoal que usava mais de 30 fatores para dar notas a cada
funcionário. Se fossem meus alunos, certamente estariam em maus lençóis (na
época, eu ainda era um exigente professor universitário que, descobri depois,
os alunos apelidaram de “Olho de Mordor”, o demônio que enxerga todos os cantos
do mundo de “O Senhor dos Anéis”).
Minha vontade – e
a do gestor – era jogar tais coisas pela janela e começar de novo. O problema
em fazer isso no mundo real é que, após dois anos e vários milhares de reais
gastos em tais esforços, os diretores da empresa controladora não estavam muito
felizes com a ideia de simplesmente abrir mão daquilo tudo.
Meu cliente, de
ombros caídos e desanimado, sabia exatamente o que precisava fazer. Tanto que
em duas reuniões traçamos em duas folhas o que devia ser feito. As soluções
eram claras, simples, e tinham a vantagem de serem frutos de quem tinha uma
carreira no ramo – coisa que eu como consultor, vindo de fora, não podia
oferecer.
Sim, sabíamos o
que fazer, mas não tínhamos aprovação de cima. Faltavam palavras como
“sinergia" e “estratégico” em papeis bonitos. Façamos o seguinte, combinei
com ele: faça o que tem que ser feito, eu seguro a barra, escrevo um monte de
coisas, desenvolvo as ideias e peço para um designer deixar bonito. Na pior das
hipóteses, você fala que a ideia toda foi minha, me mandam embora e continua
tudo igual.
Anos depois, em um
projeto em outra cidade em um setor completamente diferente, soube que o
presidente do grupo controlador recomendou “sem ressalvas” o meu trabalho. O
que mais me marcou dessa experiência, no entanto, não foram os ganhos
financeiros, o aumento de salário que o meu cliente recebeu ou os honorários
que vieram muito bem vindos à minha conta. Tudo isso foi ótimo, mas algo muito
mais importante aconteceu.
À medida que as
reuniões prosseguiam, etapas eram cumpridas e as coisas aconteciam, percebi uma
bela mudança de postura no meu cliente: os ombros, lentamente, começaram a se
levantar. Os olhos não ficavam mais perdidos em um ponto da sala, mas me
recebiam com um cumprimento direto olho no olho. A pessoa ficou mais
sorridente, mais confiante. Em alguns meses, me disse com toda convicção:
“Muito obrigado. Daqui para a frente posso assumir sozinho.”
O fenômeno que eu
arranhei naquela ocasião foi algo que observei várias e várias vezes ao longo
do tempo. Sem contar para muita gente, passei a chamar isso de “Vítima X
Protagonista”.
É normal vermos
pessoas vítimas de alguma situação. Seja por um fator externo, por sua história
de vida ou até o momento pelo qual passa. É comum vermos pessoas assumindo o
papel de vítimas de suas vidas. A situação é imutável, a luta é perdida, os
outros são malvados, o sócio é sacana, o chefe é um idiota.
Ser vítima é confortável. É mais fácil ficar em um lugar quentinho embaixo das cobertas reclamando como o mundo te tratou mal. Para quem olha de fora, ser vítima pode ser ruim. Mas para quem está ali, jogando a culpa nos outros, no mundo, no universo, é ótimo saber que a culpa não está em outro lugar.
Ser vítima é confortável. É mais fácil ficar em um lugar quentinho embaixo das cobertas reclamando como o mundo te tratou mal. Para quem olha de fora, ser vítima pode ser ruim. Mas para quem está ali, jogando a culpa nos outros, no mundo, no universo, é ótimo saber que a culpa não está em outro lugar.
Ser protagonista é
encarar as coisas de frente, pegar um problema pelas orelhas e bater em um
monstro até ele aprender a se comportar. O protagonista faz coisas, não por não
ter medo, mas apesar dele. É se ver não só como parte da solução, mas como
parte do problema.
Ser protagonista é
um papel mais difícil. Apesar de ser ele quem conquista coisas, quando você
assume as rédeas de uma situação está dando sua cara a tapa, está arriscando
falhar. Objetivamente, sabemos que nada que realmente vale a pena foi
construído sem arriscar nada. Mas quando somos nós no olho do furacão, isso
pode doer. Não é à toa que muitas pessoas recorrem ao papel de vítima.
O lado bom é que
na maioria das vezes isso tem solução. Alguns casos, como nessa minha
experiência de consultoria, ter alguém do lado para dar um empurrão e falar que
tudo vai dar certo pode fazer toda a diferença. Em outros, intervenções maiores
e mais complexas são aconselháveis e até necessárias. Já aconselhei a mais de
um ouvinte incrédulo que deviam procurar fazer terapia, ou trocar de terapeuta,
para pararem de se ver como vítimas.
Independente da
solução, fato é que inevitavelmente encontro na vida empresarial e pessoal os
dois tipos de pessoas. Vítimas, que sofrem para o mundo exterior, mas no fundo
estão confortáveis sem precisar assumir reais responsabilidades e riscos por
suas ações. E protagonistas, que desarmam bombas mundo afora, mesmo que volta e
meia uma delas possa explodir em suas caras.
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