A expectativa pelo aludido
instituto foi grande pelo empresariado nacional, que logo foi arrefecido pela
ingerência dos interesses do fisco e do sistema financeiro nacional. Essa
intervenção pode ser claramente notada pela diferença entre o projeto original
e o trâmite de elaboração da lei que ao final foi editada. Claramente alguns
dispositivos favoreceram especificamente as instituições financeiras e o fisco
nacional.
Essa decepção da sociedade
empresária se deu porque a lei publicada não atendeu sua finalidade basilar,
qual seja, a mantença das atividades da empresa com medidas que possibilitam a
superação da crise financeira e econômica com a finalidade de atender a função
social da empresa.
Entende-se como função
social da empresa a importância que a sociedade empresária exerce dentro do
próprio estado e da sociedade, sendo certo que essa função é exercida a partir
do momento em que gera empregos, tributos, desenvolvimento e crescimento
econômico, com influência direta na saúde, educação, segurança e cultura no
meio em que estão inseridas. Justamente atendendo aos interesses do sistema
financeiro é que a referida lei trouxe em seu bojo, no artigo 49, parágrafos 3°
e 4°, o que mais tarde ficou conhecido como trava bancária. O que significa, em
outras palavras, que os créditos de natureza financeira que tenham como objetos
alienação fiduciária, arrendamento mercantil, incorporações imobiliárias,
compra e venda com reserva de domínio e contrato de câmbio para exportação não
estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial.
Com isso, o legislador
deixou de lado os interesses sociais sob a justificativa de que o crédito
poderia encarecer no país, prejudicando assim a economia. Em verdade, tal
argumento parece contraditório, tendo em vista que a grande maioria das
sociedades empresarias encontra-se de alguma maneira vinculada a contratos de
crédito junto ao sistema financeiro nos moldes da exceção do artigo
supracitado. Sendo assim, a propositura da recuperação judicial não consegue
atingir na sua totalidade a sua finalidade, de superar a crise financeira com
fundamento na função social da empresa, prejudicando da mesma forma a economia
do país.
Não havendo a satisfação da
finalidade da Lei 11.101 em sua totalidade, no que tange a recuperação
judicial, muitos pedidos de recuperação acabam mostrando-se ineficazes e
culminam com a falência da empresa, tendo como consequência direta o reflexo na
economia em que essas sociedades estão inseridas.
Outro ponto negativo é a
exclusão do fisco do plano de recuperação judicial. Aqui a solução parece mais
fácil, vez que o próprio Código Tributário Nacional determina a edição de lei
especial para tratar do parcelamento do débito tributário de empresas em
situação de recuperação judicial.
Fácil em termos, já que até
o momento não houve a edição de tal lei pelo Legislativo, o que traz diversos
problemas para empresas que conseguem a aprovação do plano frente aos credores
particulares, mas continuam sofrendo com as execuções fiscais – fato que seria
resolvido com a aprovação de um projeto neste sentido.
Ocorre que dentre todos os
problemas enfrentados pelas empresas que se utilizam do instituto da
Recuperação Judicial, o que parece mais danoso e difícil de ser superado é a
falta de crédito para empresas nessa situação, seja a partir do momento da
distribuição da ação de Recuperação Judicial. Ou seja, depois de homologado o
plano, é a falta de crédito no mercado.
Como já explorado pela
doutrina e jurisprudência, o crédito é um insumo para a atividade produtiva que
necessita do produto “dinheiro” para desenvolver os seus negócios. Já sendo o
crédito essencial para empresas que não se encontram em situação de superação
de crise financeira e econômica, quem dirá para empresas em recuperação
judicial que tem que reestruturar o negócio e honrar com o plano aprovado para
sair de tal cenário, parece mais do que essencial. É vital.
Assim, dentro do atual
cenário mundial, especialmente em se tratando de legislação diretamente ligada
a disciplina do direito comercial, não pode o legislador originário deixar de
lado a questão econômico no momento da elaboração e edição de leis que tratem
de assuntos que envolvam empresas.
Como dito, para as
instituições, o dinheiro é visto como insumo que é utilizado com a finalidade
de desenvolver os negócios empresariais e o setor produtivo, assim como a
energia, a água, as matérias primas e outros, ou seja, vital para a própria
empresa e para a finalidade do plano de recuperação e da própria lei. Portanto,
não abordar o acesso das empresas em recuperação judicial ao crédito é mesmo
que deixá-las sem capacidade produtiva e de superação.
Isto porque a posição do
Conselho Monetário Nacional é a de não beneficiar as empresas em recuperação
judicial. Sendo o órgão máximo do Sistema Financeiro Nacional é ele o
responsável por ditar as regras e diretrizes das políticas monetária, cambial e
creditícia, regulando e fiscalizando instituições financeiras e os instrumentos
das políticas monetária e cambial.
Também é de
responsabilidade do CMN a criação de normas que determinem a classificação do
crédito bancário (rating) nas operações realizados pelos bancos centrais
ficando a cargo do Banco Central do Brasil e fiscalização e a exigência do
cumprimento das referidas normas.
A necessidade da proteção
do crédito visando à minimização dos riscos das instituições financeiras é
preponderante para a classificação dos tomadores (rating), com foco na
compensação das perdas quando do inadimplemento, seja através de cobrança de
juros mais altos ou exigência de garantias diferenciadas pelos bancos
comerciais.
Foi pensando nisso que o
Conselho Monetário Nacional editou a resolução 2.682/99 que determinou que as
instituições financeiras devem classificar as operações de crédito em ordem
crescente de risco, iniciando em “AA” até “H”, devendo o tomador ser
classificado de acordo com informações internas e externas. Ademais, esta
classificação deve ser revista periodicamente em casos de atraso do tomador do
empréstimo ou das empresas que façam parte do mesmo grupo econômico.
Ocorre que o artigo 8º,
parágrafo 3º, da resolução prevê:
“A operação objeto de renegociação deve ser
mantida, no mínimo, no mesmo nível de risco em que estiver classificada,
observado que aquela registrada como prejuízo deve ser classificada como de
risco nível H.
Considera-se renegociação a composição de divida, prorrogação, a
novação, a concessão de nova operação para liquidação parcial ou integral de
operação anterior ou qualquer outro tipo de acordo que implique na alteração
nos prazos de vencimento ou condições de pagamento originalmente pactuadas.”
Em outras palavras, segundo o artigo citado, a classificação (rating) do tomador deve ser mantida
no mesmo nível, mesmo nos casos de renegociação da divida, ou seja, se um
tomador torna-se inadimplente e é classificado na posição “H”, será mantido na
mesma posição mesmo após renegociar a divida, o que o impossibilitado de
conseguir mais crédito junto às instituições financeiras.
Nesta sistemática, uma empresa em recuperação judicial com plano
homologado e aprovado pelo juízo competente deixa de ter acesso ao crédito
junto às instituições financeiras por estar classificada no rating como G ou H. Tal situação
decorre do fato de que a empresa em recuperação judicial deve deixar de pagar
seus débitos até a propositura da ação e iniciar os pagamentos somente na forma
e nas condições aprovadas na homologação do plano apresentado e aprovado pelos
credores.
Além disso, a resolução prevê que o provisionamento pela instituição
financeira seja crescente conforme o rating
do tomador vai se deteriorando. Ou seja, a instituição deverá provisionar em
conta especifica o valor da operação e esses valores ficarão indisponíveis para
novos negócios, deixando o banco de emprestar esse dinheiro em outras operações
de crédito diminuindo seu lucro.
Por tudo que aqui foi dito é que parece claro que as empresas em
recuperação judicial não conseguem crédito junto as instituições financeiras: a
homologação do plano é tratada pela resolução como renegociação da divida,
mantendo a empresa em nível mínimo de classificação no rating.
Neste sentido é que se critica a resolução citada que tira do mercado a
possibilidade das instituições financeiras fornecerem crédito para os
recuperandos. Ademais, a ideia do CMN é proteger as operações de créditos e as
instituições que fornecem esse crédito, sendo assim, os bancos devem de tempos
em tempos rever sua avaliação das operações de crédito para reclassificar os
tomadores de acordo com o rating.
Ocorre que as empresas que têm a maior transparência são as em recuperação
judicial, que precisam oferecer dados mensais gratuitos ao juiz e ao
administrador judicial, além de terem em seu planejamento um plano de
recuperação que passou pelo crivo dos credores e do juiz.
No fim, a resolução mostra-se contraditória porque as empresas que
possuem maior transparência e controle em suas operações (empresas em
recuperação judicial) acabam ficando sem acesso ao crédito, quando poderiam
prever em seu plano, inclusive, a aquisição de empréstimos e outros, o que
acabaria por favorecer a própria economia.
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