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quinta-feira, 28 de março de 2013

O deferimento da recuperação judicial


O artigo 52, III da Lei nº 11.101/2005, dispõe de forma imperativa que "estando a documentação em termos, o Juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato, ordenará a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor".

Trata-se de ato da maior importância nos processos de recuperação judicial, pois é com o deferimento inicial do pedido que a empresa passa a ter, durante até 180 (cento e oitenta) dias, relativa tranquilidade financeira e operacional para se reorganizar e elaborar seu plano de recuperação.

Como o direito constitui ciência humana e a norma jurídica está sujeita à interpretação pelos operadores do direito, em determinados casos o Poder Judiciário, especialmente no Estado de São Paulo, tem relativizado o caráter objetivo da exigência inicial para deferimento do pedido. Assim é que a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça paulista, ao apreciar o Agravo de Instrumento nº 0194436-42.2012.8.26.0000, decidiu que é legítima a realização de perícia prévia para auxiliar o juízo na apreciação da documentação contábil e constatar a real situação de funcionamento da empresa.

De acordo com o julgamento mencionado, trata-se de exame preliminar sobre a idoneidade da documentação que ampara o pedido e sobre a viabilidade econômica da recuperação, ainda que em sede sumária.

O precedente jurisprudencial versa sobre situação sui generis, de empresa de pequeno porte (apenas um funcionário e capital social de quinze mil reais) e dívida pequena para justificar o pedido de recuperação judicial. Além disso, a decisão aponta “elementos robustos a apontar a inviabilidade da recuperação ou mesmo a utilização indevida e abusiva da benesse legal”.

Embora esses requisitos tenham sido enfatizados pelo TJSP, esse julgamento tem sido invocado como justificativa para se alterar o sentido e o alcance do mencionado artigo 52, III da LRF. Tem-se visto, em vez de aplicação excepcional dessa possibilidade, a quase adoção como regra, sob o argumento de que a decisão que defere o processamento deve ser tomada com mínima cautela e rigor, ao que se acrescenta a ausência de conhecimentos técnicos suficientes para o juiz apreciar a regularidade da documentação contábil apresentada.

Esse exemplo de ativismo judicial, embora em alguns caso seja digno de elogios, é às vezes profundamente danoso à empresa em recuperação. A notícia do ajuizamento do pedido alastra-se quase que imediatamente, impulsionada pela divulgação em jornais especializados em economia e também pelo fluxo instantâneo de informações pela internet. Em seguida, é comum que muitos credores se apressem para tomar medidas judiciais que não tomariam em situação normal, sendo emblemáticos pedidos de busca e apreensão, feitos por instituições financeiras, de bens, maquinários e equipamentos muitas vezes imprescindíveis a manutenção das atividades da empresa, agravando-se a situação de crise que justifica o próprio socorro ao regime de recuperação judicial.

O lapso de tempo entre o ajuizamento do pedido e o deferimento da recuperação constitui verdadeiro limbo jurídico, inclusive porque o Superior Tribunal de Justiça vem assentando o entendimento de que o despacho tem efeito ‘ex nunc’, ou seja, com eficácia daquele momento em diante, sem retroagir à data da distribuição da petição inicial, como se dá em situações processualmente análogas.

Esse vácuo, que ultrapassa facilmente 20 dias se determinada a realização de perícia prévia, em situações extremas é capaz de comprometer a própria viabilidade da recuperação, pois nesse período podem ser tomadas quaisquer medidas contra a empresa, por mais drásticas que sejam, sem a devida proteção. A interpretação e aplicação da lei, por mais nobres que sejam as justificativas, pode torná-la letra morta, em sacrifício do princípio constitucional da preservação da empresa, que gera emprego, tributos e riquezas.

A relevância dos efeitos decorrentes despacho inicial no processo de recuperação exige extrema cautela do juiz, não para deferi-lo, consequência natural caso estejam satisfeito os requisitos legais, mais sim para determinar quaisquer providências prévias que condicionem o processamento. É preciso recordar que a idoneidade das informações apresentadas inicialmente será checada pelo administrador judicial e pelo comitê de credores, com significativas consequências caso não observados os deveres legais de probidade e boa-fé.

A par da interpretação razoável e teleológica da lei, a concessão de medidas de urgência que se equiparem à proteção legal dada pelo artigo sexto da Lei de Falências é o mínimo que se pode fazer para prevenir danos e assegurar a superação da crise econômico-financeira que atinge as empresas em recuperação judicial.
Por Ricardo César Dosso

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