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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Solução para trava bancária na Recuperação Judicial


Desde a entrada em vigor da Lei de Recuperação de Empresas (nº 11.101, de 2005), um dos temas que mais vem gerando polêmica é a sujeição ou não das cessões fiduciárias de recebíveis, conhecidas como “travas bancárias”, aos efeitos da recuperação judicial. Posições doutrinárias e jurisprudenciais diametralmente opostas surgiram, valendo-se dos mais diversos argumentos jurídicos e econômicos.
Por meio desse mecanismo, tomadores de recursos, especialmente junto a bancos, transferem a titularidade de seus créditos (ou “recebíveis”) em garantia à liquidação da dívida contraída, permitindo-se ao credor receber diretamente os créditos cedidos para amortizar a dívida do cedente.
Segundo o artigo 49, parágrafo 3º, da LRE, esses créditos estariam excluídos da recuperação judicial, dada a natureza fiduciária da garantia. Sem entrar no mérito dos argumentos técnico-jurídicos favoráveis e contrários à trava bancária, fato é que, por um lado, esse instrumento contribui para um mercado de crédito mais eficiente, pois o risco de inadimplemento é menor, barateando os empréstimos para os demais tomadores. Por outro lado, as cessões fiduciárias de recebíveis podem comprometer a recuperação de empresas viáveis, na medida em que promovem o esvaziamento do caixa da recuperanda, prejudicando a manutenção das operações durante o processo.

Partindo dessas premissas, indaga-se como equilibrar os interesses em jogo e assegurar a recuperação da empresa sem ferir o direito dos credores fiduciários. A lei brasileira não oferece uma solução efetiva ao problema, mas o direito comparado pode servir de parâmetro aos magistrados e demais envolvidos com os processos concursais.
Nos Estados Unidos, as empresas que ingressam com pedido sob o Chapter 11, análogo à recuperação judicial brasileira, contam com dois principais instrumentos para captação de recursos financeiros que são vitais durante o processo: o “debtor-in-possession financing” e a utilização do chamado “cash collateral”. O primeiro consiste no financiamento concedido às empresas em crise com prioridade de pagamento, o segundo envolve determinados bens de alta liquidez, particularmente dinheiro, valores mobiliários, estoques e o produto de sua alienação, que haviam sido objeto de garantia a algum credor.
O uso do crédito cedido poderia ser autorizado, se o credor estiver devidamente protegido.

Essa garantia não pode ser utilizada pelo devedor no curso do processo, exceto mediante autorização do respectivo credor ou do juiz. Neste último caso, porém, o devedor tem o ônus de demonstrar que o credor está adequadamente protegido. De acordo com a lei americana, isso pode ser feito (a) mediante pagamentos em dinheiro, imediatos ou periódicos, que resultem na diminuição do valor do crédito em relação à garantia; (b) mediante reforço ou substituição da garantia, quando utilizada pelo devedor; ou (c) pelo oferecimento de qualquer outra forma de reparação que assegure, de modo indubitável, a mesma proteção anteriormente concedida.

Por óbvio, não se pretende uma comparação exata do instituto do cash collateral com a cessão fiduciária de recebíveis, cujas naturezas jurídicas apresentam distinções. Todavia, do ponto de vista de suas finalidades, a analogia não deve ser afastada, quer pela espécie de bem oferecido em garantia, quer pela proteção conferida ao credor.
A exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, a LRE deveria ter expressamente adotado solução mais flexível e em sintonia com suas finalidades, porém resguardando os direitos dos credores fiduciários e promovendo de fato uma “solução de equilíbrio”, como pretendeu o legislador ao elaborar a redação do art. 49, parágrafo 3º.

Assim, durante a recuperação judicial, o uso dos créditos cedidos fiduciariamente poderia ser autorizado pelo juiz, desde que o credor estivesse adequadamente protegido, o que poderia acontecer, além das hipóteses já mencionadas, (a) pela liberação parcial dos valores gravados até o limite da dívida garantida, com compromisso de pagamento dos juros incidentes no período; (b) pela substituição da garantia por outros recebíveis com vencimento posterior; (c) pela assunção do compromisso de reposição das garantias liberadas, sob pena de imediato vencimento da dívida, e assim por diante. Desse modo, garantem-se ao devedor recursos essenciais à manutenção dos negócios durante a recuperação e ao posterior soerguimento da empresa, sem afastar por completo os direitos dos credores fiduciários.

Cabe uma última observação: se o devedor obtiver a liberação dos recebíveis e não cumprir o que assumiu perante o credor ou o juiz, seja pela falta de pagamento de juros, pela inexistência de novos recebíveis ou pelo não oferecimento de outra garantia idônea e adequada, deve ele ser punido, o que poderá ser feito com fulcro no art. 64, inciso III, da LRE, que trata do afastamento do devedor ou de seus administradores quando qualquer deles tiver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses dos credores.

Fonte: Valor Econômico

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